sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

The Departed - Entre Inimigos (2006), de Martin Scorcese


Realização: Martin Scorsese/ Argumento: William Monahan, segundo o original de Alan Mak e Felix Chong, “Infernal Affairs”/ Fotografia: Michael Bauhaus/ Direcção Artística: Kristi Zea/ Montagem: Thelma Schoonmaker/ Música: Howard Shore/ Intérpretes: Leonardo DiCaprio (Billy Costigan), Matt Damon (Colin Sullivan), Jack Nicholson (Frank Costello), Mark Wahlberg (Sarg. Dignam), Martin Sheen (Cap. Queenan), Ray Winstone (Mr. French), Vera Farmiga (Madolyn), Anthony Anderson (Brown), Alec Baldwin (Cap. Ellerby), Kevin Corrigan (Primo Sean), James Badge Dale (Barrigan), David O’Hara (Fitzy), Mark Rolston (Delahunt), Robert Whalberg (Lazio- FBI), Kristen Dalton (Gwen), etc.

Produção: Brad Grey, Graham King, Gianni Nunnari, Brad Pitt, para Warner Bros/ Cópia: CINEMATECA PORTUGUESA – MUSEU DO CINEMA, em 35mm, colorida, versão original legendada em português/ Duração: 151 minutos/ Estreia Mundial: EUA, em 26 de Setembro de 2006/ Estreia em Portugal: 9 de Novembro de 2006.

The Departed, trata de um tema que Martin Scorsese tem desenvolvido ao longo da sua carreira, desde o começo (Boxcar Bertha, Mean Streets) com alguns dos seus filmes mais importantes e que dirigiu na década de 90: Goodfellas e Casino, com as suas ligações ao mundo do crime e do jogo, manifestações ou compromissos com a Mafia, que parecem abrir a pista que Scorsese irá percorrer com Gangs of New York.

De todos eles o mais impressivo e dramático, é, evidentemente, The Departed, mas, curiosamente, trata-se de uma história que vem de outros lugares, a que Scorsese se lançou inesperadamente, quando descobriu o original.

The Departed tem argumento de William Monahan, mas inspira-se num original de 2002 produzido em Hong Kong e realizado pela dupla Alan Mak e Andrew Lau. Chamou-se Mou Gaam Dou, mas ficou conhecido internacionalmente pelo título inglês de Infernal Affairs, que indicava o maior êxito que Hong Kong tivera nos últimos anos. O sucesso foi de tal ordem que se distribuiu por muitos outros países e teve uma distribuição internacional em DVD.

Não se ficou por aí pois o sucesso implicou a produção de duas “sequelas” no ano seguinte. O filme que Scorsese dirige toma como ponto de partida o primeiro Infernal Affairs, com algumas (mas poucas) alterações que se referem, naturalmente, à mudança de sociedade em que decorre. Apesar da marca que a origem deixa no trabalho de Scorsese, pelo menos para os conhecedores do original, o que aqui domina é evidentemente, o olhar pessoal de Scorsese, quer sobre o argumento, quer sobre as personagens, mesmo que a história esteja bastante próxima de um lado a outro. O olhar pessoal de Scorsese afirma-se imediatamente na sequência de abertura, que pela forma como apresenta a relação da personagem de Costello (magnificamente interpretado por Jack Nicholson) que explora os comerciantes da zona da cidade de Bóston, com um adolescente que encontra dentro de uma das lojas e que, com as suas ofertas e ajudas, e irá tornar seu próximo. Assistimos depois à evolução do garoto e à sua transformação em adulto como Collin Sullivan (Matt Damon, num inesperado papel de vilão, o que deu, em tom de gozo, uma declaração de Nicholson, especializado em papéis de vilão, a Damon, quando este chegou: “Benvindo ao clube”, referindo-se ao acto de ser, pela primeira vez, intérprete de perigoso vilão). Sullivan estuda na escola de polícia e irá tornar-se um agente especial, tudo preparado com muita antecedência por Costello, que arranja, deste modo, um precioso auxílio e informador dentro da polícia. De forma mais elaborada, Scorsese explora através da montagem, o percurso paralelo de Billy Costigan (Leonardo DiCaprio), de origens marginais de cujo meio procura fugir ingressando na escola de polícia. Na sequência em que ambos são interrogados pelos dois superiores que preparam uma operação especial contra o mafioso Costello, e em que ambos são provocados e desafiados por outro agente, o sargento Dignam (Mark Whalberg), Costigan e Sullivan cruzam-se à porta, mas não dão um pelo outro, mas tal falhado encontro vai marcar o futuro porque o que cada um deles procura é descobrir o “outro” que se sabe infiltrado em campo oposto. Resistente às provocações de Dignam, Costigan aceita o “contrato”, fazendo-se passar por agente expulso e, após sair da prisão, entrando no gang de Costello. Enquanto um procura a identidade do outro (o infiltrado no gang e o infiltrado na polícia), o mistério concentra-se apenas nas personagens, ficando o espectador completamente conhecedor do que se passa, podendo, deste modo, acompanhar a evolução de cada um dos infiltrados, a ambição e oportunidade de um, face ao drama que vai, a pouco e pouco, levar a vida de Costigan quase a uma dimensão esquizofrénica.

Scorsese faz desse drama pessoal de cada uma das personagens, em que cada um vive numa permanente tensão, um percurso estético semelhante, com o ritmo da câmara, que parece perseguir tudo e todos num movimento ininterrupto, e a vertigem quase alucinante da montagem (da responsabilidade de Thelma Schoonmaker, colaboradora permanente de Scorsese, e viúva de Michael Powell, para quem foi também montadora), que dá uma enorme força dramática em cenas decisivas como o assassinato do chefe da polícia, o jogo de gato e rato que se desenvolve no final com os dois “infiltrados”, e o inesperado ajuste de contas derradeiro, algo de novo na versão de Scorsese em comparação com a de Lau e Mak. O resultado é um dos grandes filmes de Scorsese e um dos mais poderosos dos seus trabalhos.

Manuel Cintra Ferreira
"Folha da Cinemateca Portuguesa"

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