sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

26 de Janeiro de 2009

PROGRAMA DE COMÉDIAS / 1910-1914

CRETINETTI DISTRATTO / 1910
“Cretinetti Distraído”
Realização e interpretação: Andrée Deed (Cretinetti)
Cópia: da Cineteca Communale (Bolonha), 35 mm, sem intertítulos / Duração: 10 minutos a 16 imagens por segundo.

CRETINETTI S’INCARICA DEL TRASLOCO / 1911
“Cretinetti faz a Mudança”
Realização e interpretação: Andrée Deed (Cretinetti)
Cópia: da Cineteca Communale (Bolonha), 35 mm, com intertítulos em alemão / Duração: 8 minutos a 16 imagens por segundo.

FRICOT BEVE LA MEDICINA / 1911
“Fricot Bebe o Remédio”
Realização e interpretação: Ernesto Vaser (Fricot)

Cópia: da Cineteca Communale (Bolonha), 35 mm / Duração: 6 minutos a 16 imagens por segundo.

KRI-KRI E IL TANGO / 1913
Realização e interpretação: Raymond Frau (Kri-Kri).

Cópia: da Cineteca Communale (Bolonha), 35 mm, com intertitulos em holandês / Duração: 6 minutos a 16 imagens por segundo.

KRI-KRI FUMA L’OPIO / 1912
Realização e interpretação: Raymond Frau (Kri-Kri).

Cópia: da Cineteca Communale (Bolonha), 35 mm, com intertitulos em holandês / Duração: 6 minutos a 16 imagens por segundo.

POLIDOR CAMBIA SESSO / 1913
“Polidor Muda de Sexo”

Realização e interpretação: Ferdinand Guillaume (Polidor)
Cópia: da Cineteca Communale (Bolonha), 35 mm, com intertítulos em francês / Duração: 9 minutos a 16 imagens por segundo.

POLIDOR E L’ELEFANTE / 1913
Realização e interpretação: Ferdinand Guillaume (Polidor)

Cópia: da Cineteca Communale (Bolonha), 35 mm, com intertítulos em francês / Duração: 4 minutos a 16 imagens por segundo.

ROBINET PESCATORE PER AMORE / 1914
Realização e interpretação: Marcel Fabre (Robinet).
Cópia: da Cineteca Communale (Bolonha), 35 mm, com intertítulos em italiano / Duração: 8 minutos a 16 imagens por segundo.

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O cinema cómico é, literalmente, tão antigo quanto o cinema. A primeira sessão pública dos irmãos Lumière era composta por dez pequenos filmes (no vocabulário da época, “vistas”, vues), três dos quais eram cómicos: o célebre Le Jardinier (bem mais conhecido como L’Arroseur Arrosé) e os menos conhecidos La Voltige e Le Saut à la Couverture. E já que, como observou Mauritz Stiller (que morreu em 1928), “em matéria de cinema, tudo vem de França e é em França que devem ser buscadas as origens de tudo”, também o cinema cómico ou burlesco teve as suas formas e fórmulas fixadas em França, por volta de 1908. Louis Feuillade, que passou para a posteridade com os seus serials sobre criminosos de génio (Les Vampires, Fantômas), também realizou diversas comédias, que são primitivas em todo o sentido do termo: são as primeiras a terem sido feitas e são um tanto toscas. Mais tarde, Feuillade descreveria este cinema com não disfarçada ironia: “Eram eternas perseguições, correrias sem fim, com um número cada vez maior de pessoas atrás de uma abóbora voadora ou de um selo levado pelo vento. O público adorava estas fantasias burlescas. Que caminho o cinema percorreu desde então!”. Estes filmes eram curtos (entre 6 e 10 minutos) e muitas vezes eram improvisados ao sabor da fantasia do actor e do realizador, sem um argumento verdadeiramente escrito. Todos dependiam da personalidade da vedeta, cujo nome (ou melhor, o nome do seu personagem) costumava ser incluído no título, já que em cada filme reencontrávamos o mesmo personagem em aventuras ou desventuras diferentes. O primeiro grande cómico do cinema, Max Linder, cuja influência Chaplin reconheceu e que nunca teve nada de primitivo, tornou-se célebre em 1908 com Les Débuts d’un Patineur. Linder fixou rapidamente o tipo do seu personagem (de chapéu alto, fraque e boas maneiras) e o título de cada um dos seus filmes começa pelo nome deste: Max. Como especificam os títulos, Max foi aeronauta, campeão de boxe, professor de tango, buscou uma noiva, enganou-se de andar e assim por diante. Este esquema foi utilizado por todos os protagonistas dos filmes desta sessão. Um “faz a mudança”, outro “muda de sexo”, outro “fuma ópio”, outro “toma o remédio”. Chaplin retomaria a mesma ideia, pois fixou de imediato o seu personagem, embora este não tivesse nome. E se os títulos originais dos seus filmes não incluem o nome de Chaplin ou de Charlie, os títulos comerciais em outros países muitas vezes o incluem. Já que em França Chaplin foi rebaptizado Charlot, Between Showers passou a ser Charlot et le Parapluie, A Woman tornou-se Mamzelle Charlot e assim por diante. Buster Keaton também seria sempre o mesmo personagem às voltas com diversas aventuras e durante o período sonoro dar-se-ia o mesmo com Laurel e Hardy, vulgos Bucha e Estica. Este esquema volta a encontrar-se nos personagens de desenhos animados americanos do período clássico (Bugs Bunny, Daffy Duck, o Coiote e o Road Runner, etc.), que são postos diante de situações diferentes em cada filme. Esta repetição, ou melhor estas variações sobre as reacções de um personagem diante de situações diversas, que já é um elemento cómico, teria uma longa descendência.

É importante ter este contexto em mente para melhor apreciarmos os filmes que compõem esta sessão e que foram realizados há um século. São exemplos embrionários do cinema burlesco, do riquíssimo legado de Chaplin e Keaton, são versões muito mais singelas do que fez Max Linder. Note-se que os filmes desta sessão antecedem o início da grande fase do cinema burlesco. Mack Sennett, o pioneiro da escola burlesca americana, em cuja troupe Chaplin iniciou a sua carreira, só se lançaria no cinema em 1913, no ano em que foi realizado o último filme desta sessão. Um elemento de base em qualquer comédia, seja ela “primitiva” ou “sofisticada”, é a alteração ou a perturbação da ordem estabelecida, o que explica que tantos destes filmes sejam baseados na luta entre o protagonista e objectos de uso diário. Isto cria um ambiente algo surreal, em que tudo é possível, num ambiente de situações cómicas, não muito distante do circo e dos números dos palhaços. Nos dois primeiros filmes, Andrée Deed (Cretinetti em Itália, Boireau em França, Foolshead em Inglaterra, Turribo ou Sánchez no mundo hispânico, o que prova que foi uma vedeta internacional), inverte com naturalidade uma série de gestos quotidianos. Fricot toma, literalmente, um remédio de cavalo, que o deixa eufórico como uma droga. Kri-Kri (um dinamarquês conhecido em França como Doublepatte) vai dançar tango (uma dança então considerada pouco “conveniente”) num meio convencional e toma ópio noutra aventura (Max Linder já tinha sido professeur de tango em 1912 e Chaplin tomaria involuntariamente cocaína em 1936, em Modern Times). Mudar temporariamente de sexo, com todos os quiproquós previsíveis ou ver-se às voltas com um plácido elefante são outras das situações ilustradas nestes filmes, de efeito sempre seguro.

Por serem extremamente breves e contarem aventuras muito precisas, estes filmes são eficazes do ponto de vista narrativo. São preciosos documentos sobre a época em que foram feitos (vestuário, relações sociais, habitat) e sobre o gosto popular do começo do século XX, já que não se destinavam certamente a uma clientela “burguesa” ou “intelectual”. A mise en scène pode surpreender, sobretudo nos dois filmes de Kri-Kri, com os seus efeitos especiais, o curioso diorama no filme sobre o tango e as alucinações no filme sobre o ópio. Percorrer os filmes desta sessão é ir aos primórdios da arte cinematográfica, é ter diante dos olhos, quase intactos, elementos da Antiguidade do cinema. O facto de o cinema ter pouco mais de um século dá-nos este imenso privilégio.

Antonio Rodrigues
"Folha da Cinemateca Portuguesa"

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