domingo, 12 de abril de 2009

19 de Março de 2009

AS ARMAS E O POVO / 1974-75
Um filme colectivo


Realização: Trabalhadores da Actividade Cinematográfica
Colaboração: Acácio de Almeida, José de Sá Caetano, José Fonseca e Costa, Eduardo Geada, António Escudeiro, Fernando Lopes, António de Macedo, João Moedas Miguel, Glauber Rocha, Elso Roque, Alberto Seixas Santos, Artur Semedo, Fernando Matos Silva, João Matos Silva, Manuel Costa e Silva, Luís Galvão Teles, António Cunha Telles, António Pedro Vasconcelos
Laboratório: Tobis Portuguesa
Laboratório de Som: Valentim de Carvalho.
Produção: Trabalhadores da Actividade Cinematográfica
Distribuição: Instituto Português de Cinema (IPC)/Cópia 35mm, preto e branco
Duração: 78 minutos


No dia 1 de Maio de 1974, uma semana após a revolução de 25 de Abril, dez equipas de cinema vieram para a rua com o intuito de cobrir a enorme manifestação que nesse dia teve lugar (tratava-se do primeiro 1 de Maio comemorado em liberdade desde há muito), e que funcionou também como confirmação, se tal era ainda preciso, do sucesso do golpe que derrubara 48 anos de ditadura. A iniciativa do filme partiu do Sindicato Nacional de Profissionais de Cinema, que solicitara (ou exigira) ao IPC a criação de possibilidades que permitissem a essas tais dez equipas fazer um trabalho cuja a importância histórica se afigurava inegável. Uma olhadela pela ficha técnica mostra imediatamente o poder mobilizador que a ideia exerceu, podendo dizer-se que a referida ficha constitui (quase…) um “who’s who” do cinema português desses anos. A todos esses nomes portugueses juntou-se ainda o de Glauber Rocha, como atestando o impacto e o interesse alcançados pela revolução portuguesa a nível internacional.

As Armas e o Povo foi o filme que resultou dessa conjugação de esforços. Naturalmente, num filme com estas características, a montagem adquire um papel fundamental, uma vez que à diversidade das imagens recolhidas é preciso impor uma estrutura organizativa unificadora, tarefa ainda mais importante quando se trata de um filme rodado sem qualquer espécie de guião. Digamos, portanto, que As Armas e o Povo não estava ainda decidido nem determinado no momento em que as câmaras pararam. Com o material filmado, as hipóteses de estruturação eram mais que muitas, e com ele diversos As Armas e o Povo poderiam ser concebidos.

Optou-se então por conjugar o material recolhido nesse 1º de Maio com outras imagens referentes aos acontecimentos do dia 25 de Abril anterior, utilizadas também como suporte de uma voz “off” que assegura a narração e a “explicação” da situação que se vivia antes do golpe de estado e dos novos rumos que agora se abriam. Podemos então reconhecer três elementos fundamentais na estrutura de As Armas e o Povo: uma “retrospectiva” dos acontecimentos de 25 de Abril, oregisto da manifestação do 1º de Maio e as entrevistas feitas por Glauber Rocha durante a manifestação. Éda articulação entre estas três “fontes” que, finalmente nasce o filme. No entanto, não será completamente errado sugerir um quarto elemento, de importância igual ou mesmo superior, visto que “engole” os outros elementos. Trata-se da voz “off”, cujo o comentário ´é sempre gerador de um sentido que não se limita a sublinhar e a “explicar” as imagens que vemos e que, para além disso, impõe uma interpretação que limita (dir-se-ia que “controla”) o poder das imagens e que define o discurso. O maniqueísmo do tom desse comentário (As Armas e o Povo não pode, a essa luz, deixar de ser visto como uma obra de propaganda, mais ou menos assumida) representa assim um dos principais entraves ao alcance “documental” do filme.


O facto de um filme enveredar por uma espécie de “didactismo ideológico” preso ao momento que se atravessa acaba no entanto por ser, paradoxalmente, um dos maiores pontos de interesse quando se vê, hoje , o filme. No fundo, algo de semelhante se passa com a generalidade dos filmes de propaganda. Quando vemos hoje um filme como A Revolução de Maio, por exemplo, não pensamos nele enquanto “documento de uma época” mas enquanto “visão oficial” de um determinado tempo, com um valor documental, sobretudo no plano ideológico, derivado desse mesmo facto. Ou seja, se no filme de António Lopes Ribeiro não víamos Portugal tal como era, víamos Portugal tal como o regime queria que fosse visto. Se bem que diametralmente oposto, quer a nível ideológico quer a nível formal, As Armas e o Povo é um filme que pertence a essa mesma categoria, e por onde passam, de forma imediata, as ideias de uma época. E é por estar tão fortemente agarrado à sua época, por estar tão “datado”, que As Armas e o Povo é hoje, com todas as limitações já apontadas, um filme tão interessante.

Até porque, fica bem recordar o tom e o estilo dos tempos de euforia revolucionária.


Luís Miguel Oliveira
“Folha da Cinemateca Portuguesa”

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