terça-feira, 16 de novembro de 2010

Irma La Douce, de Billy Wilder


Realização: Billy Wilder / Argumento: Billy Wilder e I.A.L. Diamond, baseado numa peça de Alexandre Breffort / Fotografia: Joseph LaShelle / Direcção Artística: Alexander Trauner / Décors: Edward G. Boyle e Maurice Barnathan / Guarda-Roupa: Orry Kelly / Efeitos Especiais: Milton Rice / Música: André Prévin, baseada na partitura original de Marguerite Monnot para a peça teatral / Som: Robert Marten / Montagem: Daniel Mandell / Interpretação: SHIRLEY MACLAINE (Irma La Douce), Jack Lemmon (Nestor), Lou Jacobi (Moustache), Bruce Yarnell (Hippolyte), Herschel Bernardi (Inspector Lefevre), Hope Holiday (Lolita), Joan Shawlee (Annie, “a Amazona”), Grace Lee Whitney (Kiki, “a Cossaca”), Tura Santana (Suzette Wong), Ruth e Jane Earl (as gémeas), Harriet Young (Mimi), Paul Dubov (André), Howard McNear (o porteiro do hotel), Cliff Osmond (o sargento da polícia), Dick Lerner (Jojo), Herb Jones (Casablanca Charlie), etc.
Produção: Billy Wilder para a MIRISCH COMPANY, PHALANX e EDWARD L. ALPERSON / Cópia: da CINEMATECA PORTUGUESA-MUSEU DO CINEMA, em 35mm, technicolor, panavision, legendada em português / Duração: 142 minutos / Estreia Mundial: 13 de Julho de 1963 / Estreia em Portugal: Cinema S. Jorge, a 27 de Junho de 1974.

Na história das censuras há, às vezes, casos singulares. Kiss Me Stupid, do mesmo Wilder e imediatamente posterior a Irma La Douce (é obra de 1964) levantou na América a sanha de inúmeras ligas de decência e de associações católicas, aliás com grande espanto e certa indignação de Wilder. Em Portugal, à época, deram-lhe algumas tesouradas, mas deixaram-no passar.

Irma La Douce, que os americanos viram com muito menos protestos, foi imediatamente proibido aqui e só se estreou – com mais de dez anos de atraso – a seguir ao 25 de Abril.

Aparentemente, mas só aparentemente, os censores portugueses teriam mais “razão”. O argumento de Kiss Me Stupid é menos provocador. Mas os americanos tinham as suas razões, e também se compreende que Irma La Douce, superficialmente mais óbvio, tenha escandalizado menos do que o filme com Kim Novak e Dean Martin. Apesar de inúmeros gags, de tantas pêgas e de muitas maldades (a melhor é a que fica guardada para o fim) Irma La Douce é um filme bem pouco cochon e há nele uma “seriedade imperturbável” (como já ao tempo notava Michel Mardore) que não nos dá muito tempo nem espaço para os habituais risinhos ligados às meninas. Até porque todas existem em caricatura, a não ser uma. E essa – Irma, “La Douce” – vai ganhando ao longo do filme tal densidade poética que os aspectos mais rasteiros (ou mais práticos) da sua profissão se esbatem. Mas, se se esbatem, jamais são omitidos e essa é a mais prodigiosa ambiguidade da portentosa mise-en-scène de Wilder e da não menos portentosa criação de SHIRLEY MACLAINE, aqui num dos papéis supremos da sua carreira.

Podia dar muitos exemplos, mas um basta para iluminar todos: a sequência da festa do champanhe, após a primeira visita de Lord X. Vejam SHIRLEY a dançar na mesa do bilhar (os verdes dela e o verde do pano) e vejam-lhe a cara e os olhos até esse mágico grande plano com que a sequência acaba. O que se festeja? Um cliente que em vez de pagar 50 francos pagou 500, a sorte grande. Mas também a plena comunicação – por que não dizer comunhão? – desse dinheiro com a dupla vitória de Jack Lemmon e SHIRLEY: ele sobre os seus ciúmes, ela sobre as reticências dele em se deixar sustentar. Simultaneamente, essa sequência é a mais amoral e a mais moral, a mais materialista e a mais espiritual, a mais cínica e a mais comovente. E um só movimento de câmara abraça tudo, como tantas vezes sucede neste filme de gruas e de imensos travellings (ou travellings combinados com panorâmicas) no espaço mais confinado (uma rua, um café, um hotel e as águas-furtadas de SHIRLEY MACLAINE).

Irma La Douce é um filme que, desde o início, joga na permanente alternância do mais oculto com o mais aberto. Começa com o lugar geométrico de toda a obra, essa Rue Casanova, toda em verde, como o verde de SHIRLEY, reconstituída no prodigioso trabalho de Trauner e servida pela prodigiosa paleta de LaShelle. Como não somos propriamente o futuro Nestor, não temos dúvidas nenhumas onde estamos e para o que estamos. Mas, quando a câmara chega ao cãozinho e a Irma, a personagem, na sua desarmante beleza, suspende-nos. Começa então o genérico e a câmara a subir pela fachada do hotel. E durante todo o genérico (interpenetrando-se com ele) vemos os três clientes de Irma, ouvimos a sacrossanta pergunta e três diferentes histórias de resposta. Three broken fingers and a broken dream. E percebemos muito bem – como o segundo cliente – porque chamam doce a Irma, que en douceur os vai apanhando todos.

Estamos já tão dentro, que é com alguma surpresa que somos puxados para fora, para a mordacidade da voz off (efeito tão habitual em Wilder) e para o paralelo entre a comida e o sexo, leit-motif do filme (nunca Jack Lemmon foi tão porco e tão escabroso como nessas sequências das Halles em que o mais dinheiro aparece directamente associado à mais carne, nas acepções mais escatológicas do termo). Depois, essa mesma voz off nos leva de novo à rua para nos apresentar a todas as personagens, Com relevo para Moustache que devia ter sido Charles Laughton, se a morte o não tem levado (como Irma e Nestor – por incrível que pareça – foram pensados para Elizabeth Taylor e para Richard Burton). Apresentações que servem ainda para nos colocar na “ideia feita” de Paris, na “ideia francesa” de Paris e na “ideia americana” de Paris com o realismo (e irrealismo) linguístico a funcionar como contraponto do irrealismo e do realismo do décor.

E an honest policeman came in, esse super-ingénuo Lemmon que vem desarrumar toda a rua. Desarrumá-la pelas suas obsessões legais que lhe custam o lugar e desarrumá-la pela sua mudança de registo, quando se transforma de pobre pateta em senhor de Irma. O registo é ultra-irónico, sem deixar de ser sério e é progressivamente desconfortável, até na breve observação que se refere à legalidade do ódio e à ilegalidade do amor. E se o apartamento de Irma estava todo aberto, passa, quando Lemmon entra dentro dele, a estar todo fechado, inclusive para nós que, voyeurs indiscretos, somos corridos dele como o cão, ponto de vista que, descobrimo-lo, não deixará de ser o nosso para uma tão verte nuit d’amour. Everybody needs somebody. Disso – razão de tudo – esquecemo-nos na confusão das profissões.

Revirados – e revisitados – todos os décors até à formação do par Lemmon-MACLAINE, surge o imprevisto ciúme. E, para o resolver, recorre, uma vez mais, Wilder, na sua obra, ao tema do “disfarce”, transformando Nestor em Lord X. Um Lord X nascido do chão e que, mesmo sendo Lemmon, tem ciúmes de si próprio, o que o leva a auto-atribuir-se a impotência pela tal explosão na Ponte do Rio Kwai.

E o this is another story de Moustache não é só uma boa ideia de diálogo a preparar o gag final. Efectivamente, sucedem-se histórias que não têm que ver umas com as outras: Jack e SHIRLEY jogam às cartas como em The Apartment (só que aqui o jogo é mais solitário, forçado à paciência); “The Mecs of Paris Protection Association” serve para o fabuloso gag do M.P.P.A. (Motion Picture Producers Association); os subterrâneos de Moustache tem que ver com “outra história” que nunca é esclarecida; a transgressão de Lemmon é o trabalho, como a inocência de SHIRLEY; Jack Lemmon acaba literalmente devorado pelo seu duplo.

E as coisas vão tão longe que já ninguém sabe quem é quem. O único que o julga saber – Moustache – é o único que fica para ver o segundo Lord X, aparição afinal não menos insólita do que fora a reconstituição do seu corpo quando emergiu das águas do Sena em efeito especial inaudito.

Se o ritmo final é o da farsa (impregnado pela lógica da farsa e só sustentado por ela) o caminho que a ela nos levou é o mais discreto e o mais intenso. Como se este filme – e nesse aspecto é o mais lubitschiano da obra de Wilder – fosse inteiramente construído sobre elipses. Precisamente as que elidem a nossa ilusão de termos visto tudo (duas horas de Rua Casanova) quando de facto não vimos nada. Julgamo-nos numa história de pêgas e chulos, de códigos trocados e disfarces óbvios, e precisamente sempre estivemos “noutra história”. E essa nunca nos chegou a ser contada. Para o ser, tinha que começar pelo verde e acabar nos olhos tão azuis de toda a doçura de SHIRLEY MACLAINE. A que se chamava Irma e soube coisas que só as mulheres sabem, aprendidas com um Lord que se chamava X e é e não é Jack Lemmon. E já agora reparem na infinita lógica que faz começar este filme na rua das putas e acabar numa igreja.

JOÃO BÉNARD DA COSTA
"Folha da Cinemateca Portuguesa"

5 comentários:

  1. Filme "Irma La Douce"

    Gostámos do filme pela sua parte cómica e pelo seu interesse, ainda tão actual, e do impacto que este causou em nós.
    A parte que suscitou mais interesse foi o facto de nos anos 60 as mulheres sustentarem os homens (chulos), uma vez que de outra forma seria uma ofensa para as próprias, o que ainda se passa hoje.
    Outro aspecto foi a prova de amor que Nestor deu a Irma La Douce, trabalhando de noite sem ela saber e fazendo-se passar por outra pessoa só para ela ser sua exclusiva.
    Foi um dos filmes de que gostámos mais até à data, pois é um filme que se baseia na realidade.

    Ana Pereira, Cátia Rocha e Darcilene Pedro

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  2. Filme "Irma La Douce"

    O filme conta a história de uma prostituta.
    Um dia mais tarde conheceu um polícia chamado Nestor pelo qual se apaixonou.
    A nossa crítica ao filme é positiva, pois relata ainda a realidade de hoje em dia, mesmo quando as prostitutas de rua não se apaixonam.
    A vida das prostitutas é muito competitiva e desgastante tal como mostra o filme.
    Uma outra ideia que suscitou interesse foi a gravidez uma vez que nos anos 60 não havia tanta precaução e hoje em dia é suposto as prostitutas se protegerem contra gravidez e IST.

    Catarina Costa e Tânia Lopes

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  3. Filme "Irma La Douce"

    Este filme conta a história de uma mulher que trabalhava para um chulo, que lhe ficava com o dinheiro todo, mas conheceu um polícia pelo qual se apaixonou e ele por ela e o polícia enfrentou o chulo. Ela no fim acabou por ficar com o polícia e tiveram um filho.
    Nós gostámos do filme pois era cómico e ao mesmo tempo dramático. Acabámos por nos divertir muito a ver este filme e com as peripécias que iam acontecendo.

    Joana e Romy

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  4. Este filme é de Billy Wilder e conta a história da Irma la Douce, que é uma prostituta das ruas de Paris, mais exactamente da Rue Casanova, junto a um dos mercados mais movimentados de Paris, com prostitutas e um bar de chulos onde havia muita corrupção, porque até a polícia recebia subornos dos chulos para fecharem os olhos ao que acontecia naquela rua. Mas um dia aparece um novo polícia (Nestor) que era honesto e que decidiu acabar com aquela balbúrdia acabando por aprender que ser honesto de mais nem sempre leva a um bom caminho... Este “honesto" polícia acaba por se tornar o presidente dos chulos... Mas no fim ele volta para a polícia e acaba por se casar com IRMA...
    Foi o melhor filme que vimos na Cinemateca até agora.

    Damião Pereira e Telma Semedo

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  5. O filme relata a história de uma prostituta que tem um chulo.
    Ela tinha de "dormir" com outros homens para sustentar o seu homem. Numa noite estavam num café que todos os chulos e prostitutas frequentavam, e apareceu um novo homem que começou a meter conversa com essa prostituta chamada Irma. O seu chulo viu e começou a tratá-la mal. Esse homem, Nestor, não gostou e depois começaram a andar à "porrada" e Nestor ganhou.
    Nestor foi dormir com Irma e ficou ele o chulo dela, embora a ideia não lhe agradasse. Assim resolveu criar uma personagem Lord X, um homem rico, que vinha a Paris duas vezes por semana e que só queria falar e jogar às cartas com ela. Ela ficou contente e ficou com esse cliente. Nestor foi trabalhar à noite para conseguir o dinheiro que dava a Irma. No fim da história Nestor e Irma casaram-se e tiveram um filho.

    Marco e Patrícia

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